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Vacinas na Cardiologia: Como Reduzir o Risco Cardiovascular Residual

    Por que falar sobre vacinas na cardiologia?

    As doenças cardiovasculares continuam sendo a principal causa de morte no mundo, mesmo com grandes avanços em medicamentos como estatinas, antiplaquetários, betabloqueadores e anti-hipertensivos. Embora esses tratamentos reduzam significativamente o risco de eventos como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC), muitos pacientes permanecem vulneráveis. Esse risco persistente é conhecido como risco cardiovascular residual.

    Nesse contexto, a vacinação surge como uma ferramenta complementar e ainda subutilizada na prática clínica. Diversas pesquisas mostram que vacinas contra infecções respiratórias, como a gripe e a pneumonia, além das vacinas mais recentes como a contra a COVID-19, têm impacto positivo não apenas na prevenção das doenças infecciosas, mas também na redução de complicações cardiovasculares graves.

    Como as vacinas impactam o risco cardiovascular?

    Inflamação e o coração

    A aterosclerose, processo que leva à obstrução das artérias, não é apenas resultado de acúmulo de gordura, mas também de inflamação crônica nas paredes dos vasos sanguíneos. Infecções podem agravar esse processo, aumentando a instabilidade das placas ateroscleróticas e, consequentemente, a chance de ruptura, que resulta em infarto ou AVC.

    Assim, vacinas que evitam essas infecções contribuem indiretamente para reduzir a inflamação sistêmica e proteger o coração.

    Infecções como gatilho para eventos cardíacos

    Estudos epidemiológicos já demonstraram que episódios de gripe, pneumonia e até COVID-19 aumentam de forma significativa o risco de infarto nos dias e semanas seguintes. Isso ocorre porque o corpo, ao enfrentar uma infecção, libera uma cascata inflamatória, eleva a pressão arterial, acelera os batimentos cardíacos e pode até favorecer a coagulação sanguínea.

    Portanto, a vacinação contra essas doenças não apenas evita infecções, mas também previne eventos cardiovasculares secundários desencadeados por elas.

    Vacina contra influenza e proteção cardiovascular

    Evidências em estudos clínicos

    A vacina contra a gripe (influenza) é uma das que apresentam maior volume de evidências no campo da cardiologia. Estudos clínicos randomizados e meta-análises mostram que pacientes com doença arterial coronariana que recebem a vacina têm uma redução significativa na mortalidade cardiovascular.

    Um exemplo é o estudo IAMI (Influenza Vaccination After Myocardial Infarction), que demonstrou que pacientes vacinados logo após um infarto apresentaram menos recorrências de eventos cardíacos.

    Recomendações em diretrizes

    As principais sociedades de cardiologia, como a American Heart Association (AHA), a European Society of Cardiology (ESC) e a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), recomendam a vacinação anual contra influenza em pacientes com histórico de doença cardiovascular. No entanto, apesar das evidências, a taxa de adesão ainda é considerada baixa, em grande parte devido à falta de informação e à percepção equivocada de que a vacina é voltada apenas para prevenção da gripe comum.

    Vacina pneumocócica na cardiologia

    Proteção para populações vulneráveis

    A vacina pneumocócica protege contra infecções causadas pela bactéria Streptococcus pneumoniae, responsável por pneumonias graves. Esse tipo de infecção é particularmente perigoso para pacientes com insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana ou idade avançada, pois pode levar a descompensações, hospitalizações e até à morte.

    Resultados a longo prazo

    Além da prevenção de infecções respiratórias, estudos sugerem que a vacinação pneumocócica está associada à redução da mortalidade por todas as causas em pacientes com doença cardiovascular. Isso reforça seu papel não apenas como proteção contra pneumonia, mas também como parte da estratégia de redução do risco cardiovascular residual.

    Vacinas emergentes e novas estratégias

    Vacinas contra a COVID-19 e impacto no coração

    Durante a pandemia, observou-se que indivíduos com doenças cardiovasculares pré-existentes eram mais vulneráveis a complicações graves e mortes por COVID-19. A vacinação contra o coronavírus demonstrou reduzir significativamente hospitalizações e mortalidade nesse grupo, consolidando ainda mais a ideia de que vacinas são ferramentas fundamentais na proteção cardiovascular indireta.

    Vacinas em desenvolvimento contra a aterosclerose

    O futuro da prevenção cardiovascular pode incluir vacinas específicas contra alvos da aterosclerose. Pesquisadores estão desenvolvendo vacinas que visam proteínas inflamatórias e até partículas de LDL oxidado, responsáveis pelo acúmulo de gordura nas artérias. Embora ainda estejam em fase experimental, esses avanços podem representar uma verdadeira revolução, oferecendo proteção direta contra a progressão da aterosclerose.

    Por que as vacinas ainda são subutilizadas na cardiologia?

    Apesar das evidências científicas, as vacinas continuam pouco utilizadas como parte da prevenção cardiovascular. Entre os principais motivos estão:

    • Baixo conhecimento por parte de médicos e pacientes sobre os benefícios cardiovasculares das vacinas.
    • Percepção equivocada de que vacinação é apenas uma medida de saúde pública para prevenir infecções.
    • Desinformação sobre segurança das vacinas, alimentada por mitos e fake news.
    • Falta de integração das campanhas de vacinação com a rotina dos consultórios de cardiologia.

    Quem deve considerar a vacinação como parte do cuidado cardiovascular?

    Grupos de maior risco

    A vacinação deve ser vista como parte integrante do cuidado em saúde cardiovascular, especialmente em grupos como:

    • Pacientes com histórico de infarto ou AVC.
    • Pessoas com insuficiência cardíaca ou arritmias complexas.
    • Idosos com múltiplas doenças crônicas.
    • Pacientes com fatores de risco como diabetes, obesidade, tabagismo e hipertensão arterial.

    Papel do médico na orientação

    Cabe ao cardiologista ou médico da atenção primária reforçar a importância da vacinação, integrando-a ao plano de tratamento. Essa abordagem multidisciplinar pode ajudar a reduzir o risco residual, melhorar a qualidade de vida e aumentar a sobrevida de pacientes de alto risco.

    Por fim, a vacinação em cardiologia é uma estratégia simples, eficaz e segura, mas ainda subutilizada na prática clínica. Ao prevenir infecções que servem como gatilho para complicações cardíacas, vacinas como a da influenza, a pneumocócica e a da COVID-19 contribuem para reduzir o risco cardiovascular residual. Além disso, pesquisas em vacinas específicas contra a aterosclerose podem transformar o futuro da prevenção.

    Incorporar a vacinação ao cuidado cardiovascular de rotina, principalmente em pacientes de alto risco, pode representar um passo fundamental para diminuir a mortalidade e os custos em saúde pública relacionados às doenças do coração.

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